quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Segunda inovação: a máquina de fiar II - Inovações artesanais e inovações industriais na fiação e tecelagem. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         Devido à simplicidade do filatório e ao seu preço modesto, ele foi bem empregado pela produção doméstica, que reviveu sob sua influência. A primeira vista, a revolução industrial estava revigorando a manufatura algodoeira, melhorando a qualidade de seus produtos e a produtividade de sua mão−de−obra, sem alterar−lhe a organização. Mas esta impressão é errônea. As invenções seguintes teriam efeitos completamente diferentes.

         Em 1769, Richard Arkwright patenteou uma máquina de fiar em tudo parecida com a de Paul e Wyatt. Arkwright era barbeiro de profissão e se dedicava também ao comércio de cabelo humano para a confecção de perucas. Era um hábil comerciante, mas de mecânico e inventor nada tinha.

         Processos jurídicos posteriores revelaram que a invenção era provavelmente de Robert Highs, que teria feito um modelo para Arkwright em 1768, a pedido deste. Highs era um inventor consumado, tendo ganho um prêmio de 200 guinéus, em 1772, pela construção de um filatório duplo de 56 fusos, na Bolsa de Manchester. Ele é tido também como o inventor original da j e n n y , que seria o nome de uma de suas filhas (Mantoux, 1927, p. 230).

         Mas, sem ser o inventor que pretendia ser, Richard Arkwright foi o primeiro grande industrial, o primeiro a tornar um invento mecânico matriz de um novo modo de organizar a produção, algo que se tornou conhecido como "sistema fabril". Arkwright tinha muito pouco dinheiro próprio, de modo que sempre precisou encontrar quem quisesse financiar seus empreendimentos. Dado o pioneirismo e, portanto, o alto risco implícito nestes empreendimentos, o fato de Arkwright sempre ter tido êxito em levantar o capital de que precisava é prova de sua grande habilidade.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Segunda inovação: a máquina de fiar - Inovações artesanais e inovações industriais na fiação e tecelagem. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         A mudança dos preços relativos dos produtos e dos trabalhos estimulou esforços para mecanizar a fiação. Esta idéia não era nova. Já em 1738, Lewis Paul patenteou uma máquina de fiar, inventada por John Wyatt. A máquina funcionava, embora estivesse longe de ser perfeita. Mas, os dois sócios nunca conseguiram ganhar dinheiro com ela.

         Em 1740, montaram uma pequena fábrica, em Birmingham, operada por 10 mulheres e movida por dois burros. Em 1742, eles faliram e a patente foi vendida a Paul Cave, que montou uma fábrica maior em Northampton, com 5 máquinas movidas por rodas hidráulicas em que trabalhavam 50 pessoas. Ela também nunca foi lucrativa, sendo vendida a Arkwright em 1764. A experiência mostrou quão difícil era transformar uma invenção numa empresa capitalista exitosa.

         É provável que o fracasso tanto de Paul e Wyatt como de Caves tenha sido provocado pelo fato de suas tentativas terem sido prematuras. Antes de 1760, os efeitos do emprego da lançadeira volante ainda não tinham se feito sentir: o aumento da produtividade na tecelagem ainda não tinha tornado escasso o fio, nem tinha elevado o seu preço.

         Mas, a partir deste momento, o estrangulamento da oferta de fio se tornou indubitável, o que levou a Society for the Encouragement of Arts and Manufactures a oferecer, em 1761, dois prêmios pela invenção de uma máquina de fiar. Em 1767, surgiu a invenção não de uma máquina mas de um aparelho mais aperfeiçoado que a roca de fiar: o filatório ( j e n n y ), patenteado por Hargreaves.

         Era relativamente simples e, apesar de permitir a produção de vários fios ao mesmo tempo, podia ser operado por um trabalhador. O número de fusos podia ser aumentado até o limite da força−motriz que acionava o filatório. Ainda em vida de Hargreaves, filatórios com 80 ou mais fusos foram construídos.

         Hargreaves sofreu os mesmos dissabores que os outros inventores. Teve sua casa invadida e suas máquinas destruídas. Mudou−se para Nottingham; em 1770 patenteou a invenção e começou a
venderjennies. Também teve de recorrer aos tribunais para cobrar os royalties, mas morreu rico em 1778.

         "Dez anos depois de sua morte estimou−se que havia não menos que 20.000 destas máquinas na Inglaterra, das quais a menor podia fazer o trabalho de 6 a 8 fiadores" (Mantoux, 1927, p. 218).

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Primeira inovação: a lançadeira volante - Inovações artesanais e inovações industriais na fiação e tecelagem. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

          A primeira inovação que abre a série é a lançadeira volante (flys h u t t l e) , inventada em 1733 por John Kay. Até então a lançadeira tinha de ser passada pelo tecelão de uma mão a outra, o que limitava a largura do tecido ao comprimento dos braços do trabalhador.

         Kay fixou rodinhas na lançadeira e a colocou numa espécie de ranhura de madeira. A lançadeira volante podia ser jogada automaticamente de um lado ao outro, o que possibilitava a fabricação de tecidos de qualquer largura e com maior produtividade.

         Exatamente por aumentar a produtividade, a invenção foi hostilizada pelos tecelões, que acusaram Kay de privá−los do seu pão de cada dia. Ele tentou licenciar sua patente em vários lugares, sendo bem recebida pelos manufatureiros, mas que resistiam em pagar−lhe os devidos r o y a l t i e s .

         Litígios jurídicos seguidos acabaram arruinando o inventor. Além disso, os trabalhadores prejudicados não deixavam de atacá−lo. Em Bury; em 1753, a multidão arrombou e saqueou sua casa. Kay teve de fugir para Manchestei, que ele teria deixado escondido num saco de lã. Apesar de tudo, o uso da lançadeira volante se generalizou. Em 1767, registrou−se violento conflito entre "tecelões estreitos" e "tecelões de máquina" (Mantoux, 1927, p. 208).

         O temor dos tecelões tinha razão de ser, pois o tear provido de lançadeira volante aumentou de tal modo a sua produtividade, que passou a haver falta de fio para tecer. O equilíbrio entre fiação e tecelagem fora rompido, com o ritmo de produção da primeira, sendo insuficiente para garantir o pleno emprego na última. Parte dos tecelões ficou sem trabalho.

         Além disso, o preço do fio subiu como resultado da insuficiência da oferta. Como o tecelão recebia a matéria−prima do mercador e pagava a fiação, recebendo uma paga total pela manufatura, o que ele desembolsava a mais era subtraído de sua própria remuneração. Em outras palavras, o aumento da produtividade da tecelagem transferiu valor à fiação, cuja produtividade não fora afetada.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Na revolução industrial os interesses estabelecidos se manifestaram procurando por todas as formas obstar um progresso que os feria de morte. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

   
      A revolução industrial só poderia ter nascido em atividades que − por serem novas, marginais, pouco importantes − não estavam dominadas pelos interesses estabelecidos. E isso o que quer dizer a tese de que o capitalismo se desenvolveu nos interstícios do "velho sistemas".

         A cada passo da revolução, como se verá, os interesses estabelecidos nem por isso deixam de se manifestar, procurando por todas as formas obstar um progresso que os feria de morte.

O surgimento da maquinofatura. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         A suspensão das importações dos artigos acabados ofereceu ótima oportunidade à substituição dos mesmos por produtos locais. Desenvolveu−se, portanto, uma manufatura inglesa de tecidos de algodão, a partir de matéria−prima importada tanto da Índia como das Antilhas e do Brasil.

         O produto era inferior ao original indiano, mas preenchia o vácuo produzido pela cessação do suprimento externo. Como a manufatura de lá, também a de algodão funcionava no sistema doméstico: a produção era realizada, em grande parte, em c o t t a g e s de pequenos agricultores, as mulheres e os filhos cardando e fiando, os homens tecendo.

         Os interesses lanígeros também tentaram suprimir a manufatura local de tecidos de algodão, mas nisso fracassaram. Desta vez estavam em jogo os interesses não só de consumidores e comerciantes mas de uma certa massa de produtores.

         Em 1735, o parlamento aprovou lei isentando da proibição anterior (de 1721) artigos mistos de linho e de algodão, que eram os produzidos na Inglaterra por insuficiência técnica. Os artigos puros de algodão − que só os hindus sabiam produzir − continuavam proibidos. Esta proibição só seria levantada em 1774, a pedido do grande industrial têxtil Richard Arkwright.

         Esta história permite entender por que foi a manufatura algodoeira e não a lanígera o palco da revolução industrial. E que a primeira surgiu como desafio à regulação conservadora dos mercados. "Uma nova indústria sem tradições tinha, em vez de privilégios, todas as vantagens da liberdade.

         O fato de não estar presa à tradição e se encontrar fora de regulações que freavam, ou no mínimo dificultavam, o desenvolvimento técnico, tornou−a por assim dizer um campo para invenções e para toda espécie de iniciativas. Assim se preparou terreno favorável à construção da maquinofatura (machine industry)" (Mantoux, 1927, p. 204).

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A hegemonia dos produtores sobre os consumidores. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         No fim do século XVII, tecidos de algodão importados da Índia tornaram−se moda na Inglaterra, a ponto de ameaçar o monopólio dos produtores e mercadores de lá. Uma descrição sardônica devida a Defoe (1708, citada por Mantoux, 1927, p. 199) cabe: "Vimos nossa elite vestida de carpetes indianos que, poucos anos antes, suas criadas teriam rejeitado como sendo ordinárias demais; oschintzes foram elevados dos assoalhos para suas costas, do chinelo á saia e mesmo a Rainha, naquela época, comprazia−se em aparecer em China e Japão, quero dizer, sedas chinesas e calicós. E isso não era tudo, mas arrastou−se às nossas casas, nossos guarda−roupas e dormitórios; cortinas, travesseiros, cadeiras e, por fim, as próprias camas nada mais eram que calicós ou coisas da Índia".

         Como era típico da época, levantou−se uma tempestade de protestos por parte do comércio e manufatura de lã, que conseguiu que o parlamento aprovasse, em 1700, uma lei proibindo a importação de tecidos estampados da índia, China e Pérsia. Mas, a proibição legal foi superada pelo interesse econômico e a importação de tecidos de algodão continuou, o mesmo acontecendo com os protestos dos interesses feridos.

         "E eles não se limitaram a palavras. Conflitos irromperam em vários lugares. Tecelões, exasperados por contínuo desemprego, começaram a atacar, nas ruas, pessoas vestindo algodão, rasgando e queimando suas roupas. Mesmo casas eram arrombadas e saqueadas" (Mantoux, 1927, p. 200).

         Nova lei foi passada, em 1721, ampliando a proibição à compra e venda e ao uso e à posse de tecidos de algodão por parte dos residentes na Inglaterra, sob pena de multas de 5 libras para pessoas físicas e 20 libras para mercadores.

         O caso é emblemático da hegemonia dos produtores sobre os consumidores. Os primeiros estavam organizados e tinham a seu favor os valores tradicionais, de defesa dos interesses estabelecidos.

         Os últimos, embora pertencentes à elite, só tinham a seu favor os importadores e comerciantes que os supriam. A vitória da manufatura lanígera mostra o poderio do que, na época, constituía o mais importante conjunto de interesses econômicos do país.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Durante o século XVII e primeira metade do século XVIII, a revolução capitalista avançou na Inglaterra bem mais do que no Continente. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         O mesmo efeito amplificador sobre o mercado interno devem ter tido as outras três razões oferecidas por Landes: o maior consumo de manufaturas devido ao padrão mais alto de vida e o menor custo da alimentação; a menor diferenciação social na Inglaterra, acarretando uma aproximação dos padrões de consumo das diferentes camadas sociais; e o elevado nível dos salários pagos na Inglaterra, muito acima dos do Continente.

         Em suma, durante o século XVII e primeira metade do século XVIII, a revolução capitalista avançou na Inglaterra bem mais do que no Continente, com a possível exceção da Holanda, onde aquela revolução começou antes. Mas, neste período, a Inglaterra travou sucessivas guerras contra espanhóis, holandeses e franceses para dominar o comércio intercontinental e sobrepujar seus rivais no terreno da produção. E o conseguiu.

         Os holandeses continuaram, no século XVII, dominando o transporte marítimo e a alta finança internacional, mas os ingleses assumiram a primazia no principal ramo manufatureiro da época, o de tecidos.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Descrição da crescente penetração do capital mercantil na produção. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         Mantoux descreve a crescente penetração do capital mercantil na produção: os comerciantes financiavam a aquisição de matéria−prima pelos artesãos, que empenhavam os instrumentos de produção como garantia da dívida. Sendo pobres, freqüentemente não conseguiam honrar a dívida, o que os obrigava a entregar seu instrumental ao credor, que assim se transformava em empregador dos mesmos.

         Desta maneira o produtor era separado dos meios de produção e o capitalista comercial transformava−se em produtivo. Nas cidades, a organização corporativa protegia os artesãos enquanto restringia o seu número e o montante de sua produção, mas, no campo, o artesão d o u b l é de agricultor dependia do mercador, que o financiava e lhe comprava os produtos. Por isso, a ruralização da atividade manufatureira constituía um índice de sua crescente submissão ao capital.

         A unificação física e tributária do mercado interno foi outro resultado da hegemonia burguesa, que se impôs pela Revolução. A unificação do mercado interno era uma das políticas centrais preconizadas pelo mercantilismo e implementadas, com maior ou menor sucesso, pelos déspotas esclarecidos que reinavam na Europa.

         Mas, conforme mostrou Landes, apenas na Inglaterra esta unificação tinha se completado, em grande medida, já em meados do século XVIII. O que deve ter ajudado o avanço da revolução capitalista, ao permitir ampliar a escala de produção, proporcionando ganhos aos estabelecimentos que reuniam maior número de trabalhadores.

A Revolução Inglesa deve ter enfraquecido os setores privilegiados que exploravam monopólios e procuravam de todos os modos restringir a competição. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

          Das cinco razões aventadas por Landes, a mais importante sem dúvida era a primeira. A Revolução Inglesa deve ter enfraquecido os setores privilegiados que exploravam monopólios e procuravam de todos os modos restringir a competição.

         O que abriu ao capital um vasto espaço de acumulação, a ponto da maior parte da produção manufatureira se dar no campo e não mais nas cidades. Mantoux (1927, p.4 9 − 5 6 ) faz uma extensa descrição da atividade manufatureira inglesa para salientar sua dispersão pelas zonas rurais.

         "Para começar, observemos a indústria do exterior, como um viajante poderia inquirir sobre os produtos de cada distrito e as ocupações de seus habitantes. Uma coisa nos chama a atenção imediatamente − a saber, o grande número de centros industriais e sua dispersão, ou melhor, sua difusão em todo país" (p. 49).

         E Mantoux mostra que esta dispersão se deve ao fato da produção ser realizada nas casas dos artesãos, grande parte dos quais também era possuidora de terra e praticante da agricultura.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Por que a revolução industrial originou−se na Inglaterra? II (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

            A resposta à pergunta: por que a revolução industrial originou−se na Inglaterra? lança luz sobre  aspectos essenciais da revolução capitalista. Landes (1969) oferece as seguintes razões: 

         3. "Dentro do mercado britânico, o poder aquisitivo per capita e o padrão de vida eram significativamente mais altos do que no Continente. (...)O trabalhador inglês não só comia melhor; ele gastava menos de seu rendimento com alimentação que sua contraparte continental e na maioria das áreas esta porção estava diminuindo, enquanto que do outro lado do Canal ela pode ter muito bem aumentado durante grande parte do século XVII.

         Resultava daí que ele tinha mais renda para adquirir outras coisas, inclusive manufaturas" (p. 47−48). Tudo leva a crer que a superioridade do padrão de vida inglês, em comparação com o resto da Europa, se devia à produtividade mais alta, que resultava em parte pelo menos do maior avanço das relações capitalistas de produção;

          4. "... um aspecto final do mercado interno britânico era um padrão de consumo favorável ao crescimento de manufaturas. Mais do que qualquer outra na Europa, a sociedade britânica era aberta. Não somente a renda era repartida mais igualmente do que do outro lado do Canal, mas as barreiras à mobilidade eram menores, as definições de s t at u s mais soltas" (p. 48).

         No Continente, muitas manufaturas (roupas, armas) eram símbolos de s t a t u s e seu uso pelas classes subordinadas era interditado. Mas, na Grã−Bretanha, esta interdição não vigorava mais, o que permitiu o surgimento de um mercado de massas para tais produtos;

         5. "Uma difusão mais igual da riqueza, no entanto, é o resultado de trabalho mais custoso. Este era, de fato, o caso da Grã−Bretanha, onde os salários − abstraindo a incerteza e a incomparabilidade parcial das estimativas − eram o dobro dos da França e mais altos ainda em relação aos pagos a leste do Reno" (p. 49).

          É provável que o diferencial de salários, entre a Inglaterra e o Continente, fosse semelhante ao diferencial da produtividade do trabalho. E, como mencionado acima, a produtividade maior provavelmente era devida ao maior peso das empresas capitalistas na economia inglesa do que no resto da Europa.

         Além de contribuírem para a criação de mercados de massa para manufaturas, os salários relativamente altos constituíam forte estímulo à adoção de técnicas que permitissem elevar a produtividade do trabalho mediante a substituição de mão−de−obra por máquinas.

Por que a revolução industrial originou−se na Inglaterra? (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         A resposta à pergunta: por que a revolução industrial originou−se na Inglaterra? lança luz sobre  aspectos essenciais da revolução capitalista. Landes (1969) oferece as seguintes razões:

          1. Maior liberdade empresarial. Antes que nos outros países, grande parte das restrições e regulamentos que limitavam a produção artesanal e manufatureira tinha sido revogada ou deixara  de vigorar. O que favorecia particularmente os empresários capitalistas.

          "E a manufatura rural, em grande medida desembaraçada de restrições corporativas ou regulamentos governamentais, estava em condições de aproveitar ao máximo esta vantagem de recurso (oferta abundante de lã crua, particularmente a lã longa exigida por tecidos mais leves, duros, feitos de lã penteada (worsted)) para adaptar seu produto à demanda e a mudanças da demanda" (p. 45);

          2. A unificação econômica do território, proporcionando um mercado interno maior ao conjunto das atividades de produção de mercadorias. "A ausência de barreiras aduaneiras internas ou de pedágios feudais criou, na Grã−Bretanha, o maior e mais coerente mercado na Europa. (...)

         Por contraste, um país como a França, com mais do triplo de população, estava cortado por barreiras aduaneiras internas em três áreas comerciais principais e por aduanas informais, pedágios e encargos obsoletos e, acima de tudo, por comunicações deficientes num mosaico de células semi−autárquicas" (p 46);

Em meados do século XVIII, era a nação mais capitalista da Europa e portanto do mundo. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         Graças aos efeitos da Revolução Inglesa, que culminou na "Gloriosa Revolução" de 1688, a Inglaterra, em meados do século XVIII, era a nação mais capitalista da Europa e portanto do mundo.

         Foi isso que a predestinou a realizar a revolução industrial. A este respeito, vale a pena invocar o testemunho de Mantoux (1927, p. 94): "1688 assistiu o fim da longa luta travada por sessenta anos pelo povo inglês. Foi uma luta benéfica, pois através dela a Inglaterra ganhou o que nenhuma grande nação européia possuía então − um governo livre.

         Esta liberdade, obtida a um preço tão alto, fortalecida pelos esforços que custou, tornou−se a melhor garantia possível da prosperidade pública e os ingleses, uma vez superadas as dificuldades inseparáveis de um novo sistema político, logo o descobriram.

         O autor de uma famosa descrição da Grã−Bretanha (Chamberlayne, Magnae Britanniae Notitia, 1,42) escreveu em 1708: 'Nosso comércio é o mais considerável do mundo todo e, na verdade, a Grã−Bretanha é, de todos os países, o mais apropriado para o comércio, tanto pela sua situação de ilha como pela liberdade e excelência de sua constituição..."'

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Foi preciso que a revolução industrial desse à empresa capitalista uma vantagem decisiva para que a revolução capitalista se completasse. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         Enquanto a revolução industrial não alterou basicamente os processos de produção e de trabalho, as empresas capitalistas representavam uma parcela importante mas limitada da economia inglesa.

         Suas possibilidades de expansão não dependiam apenas delas mesmas − de sua capacidade de acumular capital e mobilizar recursos humanos a seu serviço − mas também da capacidade dos pequenos produtores de mercadorias de preservar suas frações dos mercados, por meios econômicos e sobretudo políticos.

         Foi preciso que a revolução industrial desse à empresa capitalista uma vantagem decisiva para que a revolução capitalista se completasse, com o estabelecimento da hegemonia indisputada do capital sobre a economia do país.

No período que precedeu a revolução industrial, mesmo na Inglaterra, o modo de produção capitalista estava ainda pouco desenvolvido. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         No século XVIII, na Inglaterra, a produção já se dirigia predominantemente a mercados, tanto dos servos, arrendatários e artesãos mais ou menos independentes quanto de trabalhadores dependentes de mercadores ou manufatureiros capitalistas.

         Mas, como vimos, estes mercados eram regulados pelas autoridades de modo a preservar interesses estabelecidos. Entre estes estavam o direito dos consumidores de obter produtos de qualidade a preços razoáveis, mas também o direito das várias categorias de produtores de preservar suas parcelas costumeiras do mercado.

         A livre concorrência e a conseqüente ruína e eliminação dos produtores menos competitivos não era moralmente aceitável e nem politicamente viável. Por isso, a oposição às empresas capitalistas provinha tanto das g u i l d a s artesanais como dos trabalhadores que dependiam do capital para tomar parte na produção social.

      No período que precedeu a revolução industrial, mesmo na Inglaterra, o modo de produção capitalista estava ainda pouco desenvolvido e tinha de enfrentar conflitos tanto com concorrentes quanto com uniões trabalhistas.

         Convém notar que, no que se refere às uniões trabalhistas, o capital pôde contar quase sempre com o apoio do governo real e das autoridades locais. As uniões foram banidas por lei e fortemente reprimidas.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A luta dos penteadores de lã na Inglaterrra. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         A empresa capitalista, à medida que foi ampliando o espaço que ocupava na economia, tinha de combater em duas frentes: contra a oligarquia detentora de privilégios monopolistas e contra o proletariado nascente.

         A medida que este era constituído por faccionistas, que trabalhavam em suas casas, utilizando os instrumentos de trabalho e a matéria−prima fornecidos pelo empregador, as suas lutas freqüentemente assumiam a forma de oposição à concorrência externa.

         Mantoux (1927, p. 78−79) relata, por exemplo, a luta dos penteadores de lã (wool combers), que eram trabalhadores altamente qualificados, muito difíceis de substituir. Eles iam, de cidade em cidade, à procura de trabalho e obtinham salários relativamente elevados.

         Em 1700, os penteadores de lá formaram uma sociedade, que rapidamente se expandiu pela Inglaterra. Resolveram que ninguém pentearia lã por menos de 2 xelins a dúzia, que nenhum mestre deveria empregar penteadores que não pertencessem ao clube; boicotavam os mestres que não se submetiam, chegando a agredir penteadores não membros e quebrar seus instrumentos.

         Em 1720, os mercadores de pano de Tiverton importaram lã penteada da Irlanda, o que levou os penteadores a assaltar os seus estabelecimentos, apossando−se da lã irlandesa, uma parte da qual queimaram e a outra penduraram sobre os postes como troféus. O conflito resultou numa batalha sangrenta em que mosquetes foram empregados na defesa da "lei e ordem".

A burguesia capitalista teve de enfrentar, praticamente desde o seu inicio, a resistência quando não insubordinação da outra classe − a classe operária. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

          Convém lembrar, no entanto, que a burguesia capitalista teve de enfrentar, praticamente desde o seu inicio, a resistência quando não insubordinação da outra classe − a classe operária − que também era filha da revolução capitalista.

         "Um relato das disputas entre capital e trabalho oferece a melhor das ilustrações da evolução econômica que precedeu a vinda do sistema fabril. Estas lutas eram freqüentes e violentas antes que a maquinaria e as fábricas, e mesmo as "manufaturas", viessem a existir.

         Tão logo os meios de produção deixaram de pertencer ao produtor e se forma uma classe de homens que compra trabalho de outra classe, uma oposição de interesses tem de se manifestar. O fato dominante, que não pode ser enfatizado demais, é o divórcio do produtor dos meios de produção.

         A concentração de trabalhadores em fábricas e o crescimento de grandes centros industriais mais tarde deu a este fato vital todas suas conseqüências sociais e toda sua significação histórica. Mas o fato em si apareceu em uma data anterior e seus primeiros efeitos se fizeram sentir muito antes de ter alcançado maturidade como resultado da revolução técnica" (Mantoux, 1927, p. 74).

O liberalismo passou a ser a bandeira da burguesia capitalista a partir da publicação de A riqueza das Nações, de Adm Smith, em 1776. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

          Evidentemente, os que passaram a se rebelar contra o regime dos monopólios não eram todos empresários capitalistas; junto a eles encontravam−se artesãos, mercadores, camponeses, terratenentes e trabalhadores assalariados e por conta própria.

         Mas, a burguesia capitalista tinha uma vantagem decisiva sobre as demais forças oposicionistas. Ela possuía uma proposta que, em princípio, atendia os interesses de todos os contrariados. Era a proposta da livre competição, da liberdade de iniciativa, da retirada da intervenção estatal nos mercados, que deveriam se auto−organizar tendo por prioridade a defesa do interesse dos compradores (e não dos vendedores).

         O liberalismo passou a ser a bandeira da burguesia capitalista a partir da publicação de A riqueza das Nações, de Adm Smith, em 1776. Nesta altura provavelmente ela já tinha conquistado considerável superioridade competitiva sobre a produção servil e artesanal.

         Não estando sujeita às restrições da g u i l d a , as empresas manufatureiras capitalistas podiam explorar a fundo tanto as vantagens de escala (que se tornaram decisivas a partir da revolução industrial) como as vantagens decorrentes da especialização inter e intra−empresas.

         As unidades organizadas nas corporações de oficio estavam proibidas de adotar inovações técnicas, pois estas induziriam a competição entre mestres. O que proporcionava uma vantagem competitiva adicional às manufaturas capitalistas, que evidentemente inovavam sem qualquer restrição.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Foi só com o passar do tempo que o número de prejudicados pelos monopólios passou a constituir uma parcela significativa, potencialmente majoritária, da sociedade. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         A burguesia capitalista pôde acumular capital e expandir sua produção, ocupando parcelas cada vez maiores dos mercados em detrimento dos monopolistas tradicionais porque, de um lado, oferecia vantagens aos consumidores e, do outro, oferecia uma via de integração â produção social aos excluídos pelas políticas restritivas das classes dominantes.

         A expansão da burguesia capitalista solapava a dominação de classe ao unificar ao seu redor o conjunto dos interesses  prejudicados ou excluídos por aquela dominação.

         Foi só com o passar do tempo que o número de prejudicados pelos monopólios passou a constituir uma parcela significativa, potencialmente majoritária, da sociedade.

         Nesta situação se chegou à véspera da Revolução Inglesa: "O regime Stuart de concessões reais de monopólio substituiu isso  (venda de cartas patentes reais) por um sistema no qual a influência na corte determinava a distribuição de direitos econômicos.

         O sistema não só era custoso para os industriais em potencial − acarretando tanto um pagamento ao Erário quanto as acidentais despesas para a obtenção da influência necessária na Corte − como também, por sua própria natureza era muito desfavorável ao homem de origem social humilde, o provinciano, em contraste com o londrino, e contra oparvenu.

         (...) Os interesses burgueses nas províncias foram acerbamente ofendidos por essa política Stuart de dar privilégios a corporações com número pequeno e exclusivo de membros e com poder de controlar uma indústria em todo o país no interesse de um círculo reduzido situado na metrópole.

         O círculo de interesses prejudicados pelo sistema era bem amplo. A patente do vidro, concedida a Sir R. Mansell, acarretava a supressão das oficinas rivais (...). O monopólio do sal instigou a ira dos portos pesqueiros porque estes declararam que isso resultara na duplicação do preço daquele artigo. O monopólio concedido à Sociedade de Saboeiros de Westminster (...) prejudicou a indústria da lá" (Dobb, 1946, p. 118−119). E assim por diante.

O desenvolvimento do capitalismo, no período anterior à Revolução Burguesa, se apóia na exclusão social do modo de produção dominante. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         É importante notar que o desenvolvimento do capitalismo, no período anterior à Revolução Burguesa, se apóia na exclusão social do modo de produção dominante.

         Este pode ser caracterizado, sobretudo na Europa Ocidental, após o fim da servidão, como produção simples de mercadorias, dominada por oligarquias de mestres e mercadores, cuja riqueza tinha por fonte a exploração de monopólios.

         A burguesia capitalista aproveitava as falhas na imposição do monopólio para competir secreta e ilegalmente, contando evidentemente com a cumplicidade interessada dos compradores e intermediários prejudicados pelo monopólio.

         Portanto, não é que as forças produtivas se expandiram no seio do modo de produção servil (ou escravocrata, ou tributário) até que a continuidade de sua expansão exigiu a mudança do modo de produção.

         Estes modos de produção já eram crescentemente mercantis, mas contrários à livre competição; os mercados eram organizados e dominados pelos vendedores, que de forma geral sabiam que a competição só lhes reduziria os ganhos.

         Portanto, a regra geral era unir todos os vendedores em corporações e repartir entre eles o mercado e os lucros, excluindo competidores "externos", de fora do país, de fora da cidade ou simplesmente de fora da corporação.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Em cada país, o desenvolvimento das relações capitalistas de produção seguiu uma trajetória diferente. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         Em cada país, o desenvolvimento das relações capitalistas de produção seguiu uma trajetória diferente, mas em todos eles este desenvolvimento se fazia nos interstícios de outras relações de produção − servis, na Europa e no Japão, escravistas, nas Américas, tributárias, na Ásia − que durante todo um período foram as relações dominantes.

         As empresas capitalistas competiam nos mercados em que conseguiam penetrar contra mercadorias produzidas por servos, escravos e camponeses explorados tributariamente. Ou, então, por camponeses ou artesãos, produzindo por conta própria.

         Esta competição estava longe de ser puramente econômica. Os empreendimentos da classe dominante ou os mercadores que lhe distribuíam os produtos tinham freqüentemente privilégios monopolistas. Nas cidades européias, a produção era dominada por corporações de mestres que praticavam abertamente o monopólio: restringiam a oferta de mercadorias, opondo todo tipo de limitações e exigências ao surgimento de novos mestres, até que esta condição se tornasse hereditária.

         Ao mesmo tempo, restringia−se também o número de aprendizes por mestre, para impedir que os mestres existentes pudessem expandir o volume de mercadorias postas à venda. O resultado foi um crescente número de pobres, marginalizados da produção, cuja única opção era  trabalhar clandestinamente como assalariados.

         "O resultado foi, nos tempos dos Tudor, uma tendência crescente, por parte dos jornaleiros incapazes de pagar as despesas de mestrado, a trabalhar secretamente em águas−furtadas de ruas pouco movimentadas, ou a retirarem−se para os subúrbios, numa tentativa de fugir à jurisdição da guilda: práticas contra as quais as guildas, por sua vez, declararam guerra, tentando ao mesmo tempo ampliar a área de sua jurisdição e aumentar a eficiência das 'buscas' oficiais, por meio das quais as portarias das guildas aplicavam castigo aos transgressores" (Dobb, 1946, p. 85).

Em todos estes países, relações de produção capitalistas foram se expandindo paulatinamente, nos poros do modo de produção precedente. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         Processos semelhantes se verificam na França ao longo do século XVIII, culminando na Revolução Francesa e no império napoleônico; na Alemanha e na Itália, ao longo do século XIX, culminando na unificação nacional destes dois países.

         Nos Estados Unidos, a revolução capitalista recebe seu impulso inicial com a independência (1776) e culmina com a vitória da União na Guerra da Secessão (1864), a qual coincide no tempo com a abolição da servidão, na Rússia, e a Revolução Meiji, no Japão.

         Todos estes eventos políticos devem ser entendidos como Revoluções Burguesas, já que originaram mudanças institucionais indispensáveis ao avanço das relações de produção capitalistas nos diversos países.

         Mas, o que importa é o que se passou antes destas revoluções. Em todos estes países, relações de produção capitalistas foram se expandindo paulatinamente, nos poros do modo de produção precedente.

         No caso pioneiro da Inglaterra, esta expansão se alimentou da decadência do feudalismo. Servos que fugiam às cidades passavam a gozar da proteção que o "ar citadino" proporcionava, transformando−se em aprendizes de mestres artesãos ou em assalariados de
manufaturas.

         Ao mesmo tempo, mercadores forneciam fio a famílias camponesas para que o tecessem, no período de entressafra, em troca de paga monetária. O trabalho manufatureiro podia se especializar crescentemente, o que proporcionava seguidos aumentos de produtividade.

A crescente transformação dos produtos em mercadorias provocava a monetização das relações de produção (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         A crescente transformação dos produtos em mercadorias provocava a monetização das relações de produção. As obrigações dos servos de fornecer tempo de trabalho nos campos do senhor eram freqüentemente comutados por pagamentos em dinheiro. O que transformava os servos em assalariados ou em arrendatários. Deste modo, as forças produtivas se desenvolviam mediante a monetização das relações de produção, que acabava por desembocar, em certos casos, em relações de produção capitalistas.

         Há boas razões para crer que houve possivelmente duas revoluções sociais na Inglaterra (e talvez também em outras regiões da Europa): uma primeira, que produziu a passagem da servidão â  produção simples de mercadorias, e que ocorreu entre os séculos XII e XVI ou XVII; e uma  segunda, que levou a economia inglesa da produção simples de mercadorias ao capitalismo e que  teve lugar entre os séculos XVIII e XIX.

         Mas, quando precisamente começou "a época de revolução social" capitalista? A resposta que a análise detalhada de Dobb oferece é que ela se iniciou em cada lugar em algum momento diferente. E provável que o fim do século XVI e o início do século seguinte seja a data certa para a Inglaterra e que (com a possível exceção dos Países Baixos) na Europa continental ela esteja colocada de um a dois séculos depois.

         A revolução capitalista se processou em espaços nacionais, constituindo−os em sua marcha. A atual Grã−Bretanha ou Reino Unido constituiu−se, entre Elizabeth I e a Gloriosa Revolução, em grande medida em função do avanço do capitalismo manufatureiro e da luta vitoriosa que travou contra a hegemonia holandesa sobre a economia mundial.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Primórdios da revolução capitalista (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         No caso da revolução capitalista, parece não haver dúvida que o desenvolvimento das forças produtivas, que se tornaria genuinamente revolucionário a partir da revolução industrial, começada no século XVIII, foi estimulado e nutrido pelas relações sociais de produção assalariadas, em forma pura ou na forma do sistema deputting−out (produção por encomenda).

         É o que relata um dos melhores estudiosos da questão: "Quando examinamos a história do capitalismo concebida dessa maneira, torna−se claro que devemos situar sua fase inicial na Inglaterra, não no século XII como faz Pirenne (que pensa principalmente na Holanda), nem mesmo no século XIV com seu comércio urbano e ligas artesanais, como têm feito outros, mas na segunda metade do século XVI e início do século XVII, quando o capital começou a penetrar na produção em escala considerável, seja na forma de uma relação bem amadurecida entre capitalistas e assalariados, seja na forma menos desenvolvida da subordinação dos artesãos domésticos, que trabalhavam em seus próprios lares, a um capitalista, própria do assim chamado sistema de encomendas domiciliar"' (Dobb, 1946, p. 15).
        
         A citação de Dobb deixa claro que há um extenso período de transição entre o renascimento comercial, que se origina com as cruzadas, e o início da revolução social capitalista. Mas, a expansão do comércio traz consigo necessariamente o desenvolvimento da produção de mercadorias, sob a forma inicial de produção simples de mercadorias por artesãos e camponeses.

         Dobb, nadando contra a corrente, timbra em mostrar que as relações de produção servis não eram incompatíveis com o comércio e que a nobreza feudal se empenhou ferozmente em ampliar a exploração dos servos a partir do momento em que o excedente assim obtido podia ser vendido em vez de ter de ser consumido no castelo senhorial.

No caso da revolução capitalista, a sequencia proposta por Marx não pode ser deduzida dos eventos históricos com toda nitidez - Primórdios da revolução capitalista (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         No caso da revolução capitalista, a seqüência proposta por Marx não pode ser deduzida dos eventos históricos com toda nitidez. Com o desaparecimento do Império Romano, a elaborada divisão internacional do trabalho que tinha o Mediterrâneo como meio de intercâmbio foi por água abaixo.

         A Idade Média viveu, em conseqüência, um retrocesso das forças produtivas. A economia foi segmentada nos feudos quase auto−suficientes e o comércio foi drasticamente reduzido.

         A nova ascensão das forças produtivas, que marca o fim da Idade Média, se deveu à ruptura da auto−suficiência feudal e o renascimento do comércio de longa distância, entre Ocidente e Oriente. O renascimento comercial implicou no crescimento das cidades, em cujo seio começou a se desenvolver uma nova classe social, a burguesia, constituída inicialmente por mercadores e cambistas.

         Ressurgiu a divisão internacional do trabalho, que suscitou o desenvolvimento das forças produtivas tanto na agricultura quanto na manufatura. Mas, este desenvolvimento não se deu, como o esquema de Marx faria prever, no seio das relações sociais de produção servis.

O papel das revoluções políticas. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).


         Uma palavra sobre o papel das revoluções políticas para as revoluções sociais. No caso da revolução social capitalista, não há dúvida que as três grandes revoluções burguesas foram cruciais para o desenvolvimento das novas relações de produção e seu rebatimento jurídico, político e cultural.

         O que não quer dizer que as revoluções sociais possam ser consideradas como meros desdobramentos históricos das revoluções políticas. Estas últimas foram marcos numa jornada muito mais longa, que em muitos países ainda não se completou.

         A importância das revoluções políticas para as revoluções sociais é que as primeiras romperam impasses e detonaram torrentes de inovações institucionais, submergindo resistências que tinham paralisado as revoluções sociais por longos períodos.

         Não obstante, em muitos países a revolução capitalista avançou sem que tenha havido qualquer revolução burguesa, enquanto episódio histórico delimitado no tempo. São exemplos: os domínios britânicos, os países escandinavos, ibéricos etc.

         No caso da revolução socialista, o papel das revoluções proletárias é bastante controverso. A tentativa de instituir o socialismo pelo alto, mediante a criação de uma supra−estrutura imposta ditatorialmente aos súditos, fracassou.

         Para alguns, o maior mérito desta experiência malograda é o saldo de ensinamentos − valiosos, embora negativos − que ela deixou. Para outros, o peso político−militar do chamado "bloco socialista" durante a guerra fria foi decisivo para muitas conquistas institucionais do movimento operário nos países capitalistas.

         Se isso foi assim (do que eu duvido muito), então as revoluções proletárias teriam de fato contribuído, embora sem querer, para o avanço da revolução socialista nos países não dominados pelo "socialismo real". 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A Revolução Socialista não foi condicionada pelo desenvolvimento das forças produtivas. (Uma Utopia Militante - Repensando o Socialismo - Paul Singer).

         De acordo com esta teoria, a revolução social é a transformação supra−estrutural, condicionada e exigida pela evolução das forças produtivas. Como veremos adiante, a teoria revela com extraordinária perspicácia a dinâmica da revolução capitalista.

         A revogação das restrições corporativas à livre concorrência nos mercados, a instituição do padrão−ouro, do livre−câmbio e da S.A. (sociedade anônima) com responsabilidade limitada foram algumas das mudanças jurídicas, monetárias, financeiras e de regulamentação comercial que se mostraram essenciais à marcha ascendente da acumulação do capital na Grã−Bretanha na primeira metade do século passado.

         Sem esquecer as mudanças políticas como a extensão dos direitos políticos à burguesia e a reforma parlamentar.

         No que se refere à revolução socialista, a transformação supra−estrutural é muito clara − desde a legalização dos sindicatos, a regulamentação das cooperativas, a instituição de uma previdência pública até a conquista do sufrágio universal.

         Mas, ela não foi condicionada pelo desenvolvimento das forças produtivas. Esta questão será esmiuçada adiante. Basta adiantar aqui que a revolução socialista resulta basicamente de lutas reativas do movimento operário e aliados contra os prejuízos econômicos acarretados pela dinâmica cega da acumulação.

         A hipótese sugerida pelos dados históricos é que a relação entre desenvolvimento das forças produtivas e as mudanças supra−estruturais na revolução socialista é bem diferente da que se verifica na capitalista.