quinta-feira, 31 de maio de 2012

As dificuldades na execução do planejamento centralizado transformaram a economia “socialista real” numa economia de escassez. (Crítica da visão clássica) [1]

Para realizar essas metas de crescimento, cada plano fixava-as no grau máximo para os diferentes setores da economia, em seguida eram desdobradas para as divisões territoriais e dentro destas para as empresas localizadas nelas.

A realização das metas exigia investimentos na ampliação da capacidade produtiva, o emprego de mais trabalhadores e o consumo de mais matérias-primas, combustível, materiais auxiliares etc.

Os diretores das empresas negociavam as metas com seus superiores, exigindo em troca do compromisso com elas os recursos que consideravam necessários.

Nesta negociação, os diretores não podiam errar porque, se aceitassem metas altas demais para a quantidade de mão-de-obra, materiais etc., que lhes eram alocados, corriam o risco de não poder cumpri-las e serem punidos.

Como sempre há ocorrências imprevistas, que podem afetar a empresa (um acidente, uma inundação, atraso no fornecimento etc.), o melhor que eles podiam fazer era pedir que as metas fossem reduzidas e que os recursos alocados cobrissem uma margem de segurança contra imprevistos.

Os planejadores de nível superior, sabendo disso, enfrentavam a pressão de seus subordinados exagerando as metas e limitando os recursos ao estritamente necessário.

No final, o acordo em geral embutia bastante investimento, expansão do emprego e ampliação do fornecimento de insumos para garantir a execução das metas. Havia nesse processo um viés por uso excessivo de bens de investimento, força de trabalho e materiais. Inclusive porque os projetos de investimento, para terem mais chances de ser aprovados, tendiam a subestimar os recursos e o tempo necessários para serem completados.

Quando o plano começava a ser implementado, a “fome por bens de investimento” passava a pressionar os demais setores. Como muitos desses bens eram importados, crescia além do planejado o gasto de divisas e, portanto, a necessidade de ganhá-las, o que levava a aumentar mais do que o previsto o volume de exportações. Tudo isso transformava a economia “socialista real” numa economia de escassez.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O socialismo só poderia mostrar sua superioridade em relação ao capitalismo no campo do desenvolvimento das forças produtivas.. (Crítica da visão clássica) [1]

A economia centralmente planejada começou a entrar em crise quando a economia superou os efeitos da destruição bélica e a população passou a reclamar um padrão de vida semelhante ao do Primeiro Mundo, que a globalização das comunicações e do turismo trouxe aos lares dos países do “socialismo real”.

Na Europa Oriental, a economia planejada mostrou-se incapaz de produzir bens não-essenciais na quantidade e com a qualidade demandadas. Esse malogro repetiu-se em todos os países que adotaram o modelo e decorre de suas características essenciais.

Os planos gerais sempre se colocaram metas de crescimento extremamente ambiciosas, em primeiro lugar porque os países do “socialismo real” almejavam eliminar o mais depressa possível o atraso econômico que os separava dos países capitalistas mais adiantados.

E em segundo lugar porque o socialismo só poderia mostrar sua superioridade em relação ao capitalismo no campo do desenvolvimento das forças produtivas. Esta é, ao menos para os marxistas, a justificação histórica da revolução socialista.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

Foram nos anos iniciais que as economias planejadas do socialismo real tiveram seu melhor desempenho. (Crítica da visão clássica) [1]

Em situações de anormalidade, como guerras externas ou internas, o planejamento geral se mostra muito superior ao mecanismo de mercado como sistema de coordenação.

Isso se dá porque, quando a oferta é muito menor do que a demanda normal, em função do esforço de guerra e das destruições que esta acarreta, o mercado produziria imensa inflação e condenaria à fome grande parte da população.

Por isso, em tais situações, mesmo governos liberais controlam os preços e racionam bens de primeira necessidade e outros, o que significa substituir compra e venda em mercados por uma distribuição planejada e igualitária.

Também a alocação de matérias-primas essenciais ao esforço de guerra e à sobrevivência da população é suprimida do mercado, sendo feita por ordens administrativas, ou seja, pelo poder político usando critérios políticos.

A quase totalidade dos países que aderiram ao “socialismo real” fizeram-no em situações de penúria, provocadas por guerras. Na maioria deles já vigia algum sistema de planejamento geral para fins bélicos, que os novos governos comunistas adaptaram para o período de reconstrução.

Foram nesses anos iniciais que as economias planejadas tiveram seu melhor desempenho. A desapropriação das antigas classes dominantes e a introdução de educação e saúde públicas ensejaram uma repartição mais igualitária da renda e uma rápida recuperação das indústrias e da produção agrícola.

A maior parte da população pôde voltar a satisfazer suas necessidades básicas e, crescentemente, outras.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

terça-feira, 29 de maio de 2012

O socialismo clássico, no entanto, é o primeiro sistema da história a fundir essas burocracias parciais numa única entidade que abarca toda a sociedade. (Crítica da visão clássica) [1]

“Esta, no caso do capitalismo moderno, é proeminente no aparelho de Estado, nas forças armadas, grandes firmas e outras grandes organizações, e tais burocracias parciais podem ter grande poder.

O socialismo clássico, no entanto, é o primeiro sistema da história a fundir essas burocracias parciais numa única entidade que abarca toda a sociedade. [...] a estrutura monolítica, totalitária do poder, a propriedade estatal do grosso da produção social e a dominação da coordenação burocrática sobre outros mecanismos são três fenômenos estreitamente ligados. [...]

As relações entre as firmas estatais não são coordenadas pelo mercado nem se aplica o autogoverno a elas. Em vez disso, as relações entre as firmas são coordenadas burocraticamente e dentro delas isso leva até a bancada de trabalho o mesmo sistema vertical de articulações que governa a própria empresa”.

Resta uma pergunta: o planejamento geral cumpre a sua promessa de superar a anarquia da produção causada pela competição em mercados, fazendo com que a produção satisfaça as necessidades de toda a população, sem desperdícios e sem desemprego?

A resposta tem de ser condicional: o ciclo de conjuntura típico do capitalismo é de fato eliminado pelo planejamento geral, mas em seu lugar surgem outras falhas e insuficiências.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

Gilmar Mendes atentou à dignidade e ao decoro de Lula

“Mendes, em resumo, atentou à dignidade e ao decoro de Lula. Assim, pode virar réu em ação por crime contra honra e objeto de ação de iniciativa privada da vítima (Lula).

Não se deve olvidar os antecedentes de Gilmar. Ele já mentiu ao denunciar, de forma  escandalosa ( “vou chamar o presidente às falas” ou “vivemos num Estado policial”), uma interceptação telefônica que não aconteceu. Nesse lamentável e triste episódio, Mendes  contou com o apoio do senador Demóstenes Torres, que confirmou, em diálogo publicado pela revista Veja, o teor da conversa mantida com Mendes.

Logo depois de desmentido por perícia e por conclusão da Polícia Federal em relatório de encerramento de apuração, Mendes passou a dizer que denunciou o fato porque era verossímil.  Em outras palavras, promoveu, à época, um grande escândalo, na condição de presidente do STF, com base na verossimilhança. Por aí já se percebe, a leviandade de Mendes.”
Wálter Fanganiello Maierovitch

Descrição do poder totalitário. (Crítica da visão clássica) [1]

A funcionalidade do poder total para o planejamento geral pode ser apreciado pela descrição de Kornai da coordenação burocrática:

“Eles não podem deixar o emprego sem licença da firma ou instituição que os emprega. Se receberem licença para mudar de emprego, eles de fato não podem mudar de patrão, porque, com exceções insignificantes, há afinal um único empregador: o Estado.

É extremamente difícil mudar de residência, pois isto é impedido por restrições administrativas e falta de casas. Membros do partido não podem deixar de sê-lo; um passo tão demonstrativo poria facilmente em risco a paz de sua existência, possivelmente a sua liberdade e, numa onda de terror, suas vidas também.

Mas é arriscado demitir-se até mesmo do sindicato de trabalhadores, do movimento de juventude ou de qualquer organização de massa ou profissional. [...] Nem a forma final de saída, a emigração, pode ser usada; até mesmo um pedido [de permissão para emigrar] seria perigoso”. (KORNAI, Janos. The socialist system, the political economy of communism. Princeton, Princeton University Press, 1992, p. 100).


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

O planejamento de toda a economia de um país, mesmo se fosse elaborado democraticamente, exigiria adesão ininterrupta de toda a população. (Crítica da visão clássica) [1]

Há uma diferença essencial entre os dois tipos de planejamento: o capitalista é parcial, os envolvidos podem sempre deixar o emprego, o país ou a compra de seus produtos; o planejamento que segue o modelo soviético é sempre total, abrangendo ramos inteiros de produção e economias nacionais inteiras.

Nenhum habitante do país tem a possibilidade de escapar legalmente do plano. É por isso que se pode falar de afinidade entre poder monolítico e planejamento geral.

O planejamento de toda a economia de um país, mesmo se fosse elaborado democraticamente, exigiria adesão ininterrupta de toda a população.

A qual pode ser imposta com mais facilidade se todo poder de decisão estiver concentrado nas mãos de um homem ou de uma cúpula. O que inegavelmente ocorreu nos países do socialismo real.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O planejamento dos maiores conglomerados pode ser comparado ao planejamento geral de algumas economias do “socialismo real”. (Crítica da visão clássica) [1]

No capitalismo atual, o planejamento econômico é intensamente praticado nas grandes empresas e nos serviços públicos. Os orçamentos públicos nacionais, estaduais e municipais são planos anuais, a serem implementados pelos aparelhos estatais respectivos.

Há rotineiramente planejamento em escolas em todos os níveis, nos condomínios residenciais, nos centros de veraneio e assim por diante. À primeira vista, todos estão envolvidos em vários planos, como participantes de diversas instituições regidas por planos, o que implica considerável restrição à possibilidade de escolha dos indivíduos.

O direito individual de escolha não obstante é preservado, porque a participação é voluntária na maior parte das vezes. Em caso de arrependimento, há sempre a possibilidade de abandonar a instituição.

No capitalismo atual, a extensa centralização do capital reúne centenas ou até milhares de empresas médias e grandes em gigantescos conglomerados multinacionais. Provavelmente tais empresas seriam planejadas mesmo se atuassem separadamente; uma vez fundidas num única multiempresa, o planejamento se faz em âmbito muito maior.

O planejamento dos maiores conglomerados pode ser comparado ao planejamento geral de algumas economias do “socialismo real”. O que significa que eles também tendem a exibir sintomas de burocratização, tais como rigidez, inflexibilidade, fricções entre partes componentes dessas firmas, conflitos suprimidos travados na surdina etc.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

Na Rússia havia forte afinidade entre poder monolítico com o planejamento geral. (Crítica da visão clássica) [1]

O relacionamento do poder monolítico com o planejamento geral não foi provavelmente causal (no sentido de que um fosse a causa do outro) mas havia forte afinidade entre ambos.

O monolitismo foi instaurado, nos numerosos países que adotaram o modelo soviético, por razões políticas, mas ele era certamente funcional para o planejamento geral.

Para aprofundar esta questão, cabe uma breve digressão sobre planejamento em geral. É da essência racional do homem “planejar”, isto é, projetar ao futuro sua existência, colocar para si, para sua comunidade doméstica, urbana e nacional objetivos desejáveis e preparar atividades para atingi-los.

Só em situações de extremo perigo ou privação deixa o homem de planejar seu futuro. Planejar a vida pessoal, comunitária, local, nacional etc. exige ter poder sobre certos recursos: sobre o próprio corpo, sobre o uso do tempo, sobre os meios básicos de sobrevivência.

Escravos podiam no máximo planejar sua fuga da condição de escravo. Homens livres, dotados de direitos de cidadania, usufruindo certa segurança social planejam muitos aspectos de suas vidas e participam da feitura e da implementação de planos nas esferas sociais em que atuam.

Planejar implica elaborar planos e implementá-los. Nesse duplo sentido, planejar pressupõe o exercício de poder. E esse poder tem de ser proporcional ao âmbito submetido ao plano. Quando nesse âmbito se encontra uma nação inteira, o planejador tem de dispor de grande poder político para poder coagir os outros a obedecer ao plano.

É difícil fugir dessa conclusão. Mesmo se toda população concorda com os objetivos do plano – combater uma epidemia, rechaçar um ataque inimigo, salvar uma floresta da destruição –, é quase certo que parte das pessoas discordará dos meios para atingi-los.

Isso vale inclusive se o planejamento for extremamente democrático: todos os envolvidos são ouvidos antes da elaboração do plano e as propostas são exaustivamente discutidas até que o plano seja adotado por unanimidade.

Isso não impede que durante sua execução uma parte das pessoas mude de opinião, deixe de concordar com o objetivo ou com os meios fixados pelo plano. Sendo grande a população e grande o período de duração do plano, esta contingência é quase inescapável. E, nesse caso, os que mudaram de opinião e não querem mais implementar o plano têm de se conformar, pois do contrário o farão fracassar.

Qualquer plano abrangente e que dure exige disciplina dos participantes. Os responsáveis pelo plano têm de poder exigir essa disciplina, impor aos que discordam que colaborem em sua realização.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

domingo, 27 de maio de 2012

A economia planejada na Russia foi organizada ao redor de um completo monolitismo do poder de decisão no Estado. (Crítica da visão clássica) [1]

A economia centralmente planejada – A economia planejada que acabou por ser construída sobre esses princípios foi organizada ao redor de um completo monolitismo do poder de decisão no Estado, na economia, nas empresas, no partido único, nos aparelhos ideológicos e nas demais instituições sociais.

Qualquer iniciativa independente do Estado ou do partido era encarada como um desafio à ordem constituída ou, no mínimo, como um perigo potencial para ela.

O conceito de totalitarismo foi desenvolvido para dar conta dessa excepcional concentração do poder.

Embora em nome da democracia, o poder passou a ser estruturado de cima para baixo: em todos os níveis hierárquicos, as pessoas com poder eram designadas pelo nível de mando superior.

Os indivíduos assim escolhidos se destacavam pela lealdade ao regime, pela disciplina na execução das ordens e pela ausência de qualquer senso crítico, independência de julgamento etc. Ao menos aparente.

Se havia insatisfação, inconformismo, conflitos de idéias ou de interesses, eram sempre rigorosamente ocultos, imperceptíveis, inconfessos.

O que permitia a potentados com propensão à paranóia (como Stalin) imaginar o poder soviético infestado de traidores e sabotadores, que era preciso periodicamente desmascarar e expurgar.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

sábado, 26 de maio de 2012

O socialismo passou a ser entendido como sinônimo de planejamento geral ou centralizado da produção. (Crítica da visão clássica) [1]

Seja como for, a concepção vitoriosa na União Soviética foi a que propunha erguer o socialismo utilizando o modo de organizar a produção e as relações de trabalho do capitalismo monopolista, então (como hoje) o mais avançado.

O argumento vencedor não foi, como se poderia imaginar, o atraso da economia soviética em relação aos países mais desenvolvidos, mas que o socialismo científico consistia em liberar as forças produtivas, que o grande capital estava criando, do constrangimento do mercado, visto como causa da anarquia da produção.

O socialismo passou a ser entendido como sinônimo de planejamento geral ou centralizado da produção, a substituição do mercado pela alocação administrativa dos meios de produção, a organização monopolista de todos os ramos de produção e a fixação detalhada de metas para todas as empresas – tudo isso visando a plena satisfação das necessidades individuais e coletivas.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Os oposicionistas Russos propunham entregar a direção da economia aos sindicatos. (Crítica da visão clássica) [1]

Para superar essa situação, os oposicionistas propõem entregar a direção da economia aos sindicatos.

“Durante sua existência, os sindicatos reuniram bastante experiência e ganharam pessoas com capacidade e talento para a administração técnica e econômica. Ramos inteiros de nossas indústrias bélica, mecânica, metalúrgica etc. são dirigidos por administradores operários”.

É evidente que a capacidade de os sindicalistas assumirem a direção das empresas estava em jogo. Lenin e a maioria do partido confiavam mais nos ex-capitalistas e nos especialistas do que nos sindicalistas.

Mas, além e acima do argumento da capacidade estava, para a Oposição Operária, a questão política. Eles defendiam que o poder nas fábricas fosse exercido pelos operários, elegendo democraticamente os comitês de direção.

“Todos os operários e empregados, não importa em que posição e de que profissão, ocupados nas unidades econômicas, como fábricas, minas [...] dispõem diretamente dos valores que lhes foram confiados e são responsáveis perante os trabalhadores da República por sua conservação e utilização eficiente. Como participantes da organização e da direção das empresas, os operários e empregados ocupados em fábricas, oficinas [...] elegem um órgão para a direção da referida empresa: o comitê operário.”

Eis, em forma sintética e clara, a outra concepção de socialismo. Este se constrói não apenas nem sobretudo pela expropriação dos meios de produção mas por sua entrega efetiva à direção coletiva dos trabalhadores.

Há razões para crer que essa concepção não era inteiramente alheia ao marxismo, contando em determinadas ocasiões com o endosso de Marx e Engels. E até mesmo com o de Lenin.

Em um artigo publicado em seu último ano de vida (1923) ele escreve: “Derrubamos o domínio dos exploradores e muito do que era fantástico, mesmo romântico, mesmo banal nos sonhos dos velhos cooperadores está se tornando agora límpida realidade. Com efeito, uma vez o poder político nas mãos da classe operária, e uma vez que este poder político possui todos os meios de produção, a única tarefa que nos resta é organizar a população em sociedades cooperativas.

Com a maioria da população organizada em cooperativas, o socialismo que no passado era tratado legitimamente com sarcasmo, desprezo e desdém por aqueles que estavam corretamente convencidos de que era necessário travar a luta de classes, a luta pelo poder político etc., atingirá seu objetivo automaticamente”.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Lenin certamente levou as teses de Engels (e de Marx) às últimas conseqüências. (Crítica da visão clássica) [1]

Por milhares subordinarem sua vontade à vontade de um. Lenin certamente levou as teses de Engels (e de Marx) às últimas conseqüências. Via nas comissões operárias sinais inequívocos de anarquismo ou sindicalismo, doutrinas que advogavam a abolição do Estado e a entrega da economia aos produtores livremente associados.

Lenin opunha-se às comissões operárias porque achava necessário organizar a economia em trustes, de acordo com o modelo das economias capitalistas mais adiantadas. Propunha, como etapa intermediária entre o estágio de então da Rússia e o socialismo, o capitalismo de Estado, ou seja, os meios de produção estatizados organizados de forma a captar as forças produtivas desenvolvidas pelo capitalismo.

“Enquanto a revolução na Alemanha ainda tarda, nossa tarefa é estudar o capitalismo de Estado dos alemães, não poupar qualquer esforço em copiá-lo e não hesitar na adoção de métodos ditatoriais para apressar a sua imitação. Nossa tarefa é fazer isso ainda mais sistematicamente do que Pedro, quando acelerou a cópia da cultura ocidental pela Rússia bárbara, e não podemos hesitar em usar métodos bárbaros na luta contra a barbárie”.

Contra essa concepção de socialismo se levantou a Oposição Operária, dentro do Partido Bolchevista. Eram principalmente sindicalistas, que criticavam a entrega da direção das empresas a antigos capitalistas ou a “especialistas”, treinados no regime anterior. A sua principal crítica era a burocratização das empresas e a alienação dos trabalhadores. Em suas teses para o X Congresso do partido, em 1921, a Oposição Operária diz:

“O sistema e os métodos da organização, que se apoiam numa pesada maquinaria burocrática, excluem qualquer iniciativa criadora, qualquer ação independente dos produtores organizados em sindicatos. Este sistema de política econômica, que é executado de modo burocrático, sobre as cabeças dos produtores organizados, por intermédio de funcionários nomeados e especialistas duvidosos, levou a um dualismo na direção da economia e provoca conflitos constantes entre os comitês de fábrica e as direções das empresas, entre os sindicatos e os organismos econômicos”.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Travou-se então, a partir da primavera de 1918, uma grande discussão na Rússia sobre o socialismo, entre os partidários do planejamento centralizado e os partidários da autogestão. (Crítica da visão clássica) [1]

De acordo com Oskar Anweiler, “Antes que em junho de 1918 toda a indústria fosse nacionalizada, já estava em pleno andamento a socialização das fábricas por atos espontâneos das comissões operárias.

A primeira etapa da Revolução de Outubro pode ser denominada como a época da verdadeira ditadura dos verdadeiros operários da indústria. [...] O poderio dos conselhos de empresas se baseava então [...] na impotência do Estado”.

Como mostra o autor, a autogestão nas empresas inspirou profundo temor a Lenin de que ela seria um empecilho à reorganização da produção e ao aumento da produtividade.

Travou-se então, a partir da primavera de 1918, uma grande discussão na Rússia sobre o socialismo, entre os partidários do planejamento centralizado e os partidários da autogestão.

Tendo a liderança ostensiva de Lenin e de Trotski, os primeiros ganharam a parada. O debate foi importante porque contrapôs duas concepções de socialismo. Lenin sustentou que o socialismo era o sucessor do capitalismo e tinha de utilizar os seus métodos para poder se apoderar das forças produtivas desenvolvidas por ele.

Os seguintes excertos dão uma boa idéia dos argumentos de Lenin: “Se não somos anarquistas, temos de admitir que o Estado, isto é, compulsão, é necessária para a transição do capitalismo ao socialismo”.

[...] Não há, portanto, absolutamente qualquer contradição em princípio entre a democracia soviética (isto é, socialista) e o exercício de poderes ditatoriais por indivíduos.

Quanto à segunda questão referente ao significado dos poderes ditatoriais individuais do ponto de vista das tarefas do momento presente, é preciso dizer que a indústria mecânica em grande escala – que é precisamente a fonte material, a fonte produtiva, a base do socialismo – reclama absoluta e estrita vontade unitária, que dirija os trabalhos conjuntos de milhares e dezenas de milhares de pessoas.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

A partir da criação da II Internacional, o “socialismo científico” de Marx e Engels tornou-se a visão aceita pela maioria dos partidos operários europeus. (Crítica da visão clássica) [1]


Centralização planejada X autogestão – Como sabemos, a partir da criação da II Internacional, o “socialismo científico” de Marx e Engels tornou-se a visão aceita pela maioria dos partidos operários europeus.

O socialismo, que antes dos clássicos era uma proposta de sociedade melhor, mais livre e mais justa, passou a ser o modo de produção que superaria o capitalismo, herdando deste todo o progresso econômico que ele teria suscitado e que seria a causa eficiente de sua queda inevitável.

Os valores socialistas de liberdade, democracia e igualdade acabaram por ser considerados “utópicos” enquanto o capitalismo não tivesse desenvolvido todas as forças produtivas que os tornariam realizáveis.

Uma vez atingido esse ponto histórico, a tarefa do proletariado revolucionário seria apropriar-se, por intermédio do Estado, dos meios de produção e passar a administrá-los centralizadamente, fundindo todas as empresas concorrentes numa única superempresa.

Isso bastaria para que liberdade, democracia e justiça passassem a reinar, por razões que deveriam ser tão óbvias que dispensavam explicitação.

O socialismo científico foi posto à prova quando a Revolução de Outubro levou os bolcheviques ao poder. Durante a revolução, os camponeses se apoderaram das terras dos nobres e os operários aproveitaram o decreto do novo governo que instaurava o “controle operário” para formar conselhos de empresas, que passaram a dirigi-las.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A abolição da propriedade privada exige a criação de um regime de propriedade coletiva. (Crítica da visão clássica) [1]

Os clássicos parecem ter caído num reducionismo evidente. Pensavam que, se a propriedade privada dos meios de produção é a causa da divisão da sociedade em classes, a abolição daquela implica eliminação desta.

Mas a abolição da propriedade privada exige a criação de um regime de propriedade coletiva, sobre o qual eles nada tinham a dizer. E exige também a invenção de um sistema de planejamento que não pode ser a mera generalização do planejamento empresarial capitalista, pois este pressupõe o mercado e a anarquia da produção social.

Um planejamento geral de uma economia nacional não pode ser a generalização dos planejamentos empresariais, cuja harmonização se faz em mercados, os quais a socialização dos meios de produção supostamente eliminaria de imediato.

O reducionismo de Marx e Engels teve conseqüências quando na União Soviética se tratou de aplicar à realidade as fórmulas do socialismo científico. Os meios de produção foram efetivamente estatizados, mas desse primeiro ato do Estado como representante auto-assumido de toda a sociedade não resultou o perecimento do Estado, mas o contrário, seu crescimento monstruoso.


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Na economia capitalista os interesses dos consumidores e empregados são desconsiderados ou, na melhor hipótese, só são considerados como meios para maximizar a taxa de lucros. (Crítica da visão clássica) [1]

É certamente uma visão poderosa e magistral, mas não responde a uma série de questões que hoje, um século depois, sabemos serem essenciais.

Primeiro: como a produção de mercadorias, causa da anarquia, é substituída pela organização conscientemente planejada? Ao que parece, Marx e Engels pensavam na generalização do planejamento interno da grande empresa capitalista a toda economia.

Se esse foi o caso, convém lembrar que o planejamento empresarial capitalista é inteiramente autoritário. Tudo se subordina à maximização da taxa de lucro, que é de interesse exclusivo do capital.

A execução do plano é imposta a todos os empregados pela gerência, escolhida e monitorada pelos representantes dos acionistas. Os interesses dos consumidores e empregados são desconsiderados ou, na melhor hipótese, só são considerados como meios para maximizar a taxa de lucros.

Segundo: se a socialização dos meios de produção, em si, abole as classes sociais, como passam a ser organizados a produção, a distribuição e o consumo?

Se tomamos a sério que a luta pela existência individual cessa, então devemos supor que os produtos serão apropriados livremente por todos que desejam tê-los, o que implica uma produtividade infinita do trabalho, do capital e da natureza diante de uma gama finita de necessidades sociais e individuais.

Ao que parece, Engels tinha algo assim em mente, ao dizer:

“A apropriação social da produção elimina não só os atuais entraves artificiais da produção, mas também a destruição e o desperdício positivos de forças produtivas e produtos, que hoje são os acompanhantes inevitáveis da produção e que alcançam o seu máximo nas crises.”

“Além disso, ela libera uma massa de meios de produção e de produtos à coletividade pela eliminação do luxo imbecil das atuais classes dominantes e de seus representantes políticos.”

“A possibilidade de assegurar a todos os membros da sociedade, mediante a produção social, não apenas uma existência material plenamente satisfatória e que se torna dia a dia mais rica, mas que lhe garante a formação e o exercício inteiramente livres de suas faculdades físicas e espirituais, esta possibilidade existe pela primeira vez, mas ela existe.”


[1] Paul Singer e João Machado, Série Socialismo em discussão, ECONOMIA SOCIALISTA, EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1a edição: junho de 2000, São Paulo.